Vou começar por duas experiências pessoais dos últimos dias
pra falar sobre o tema deste texto, envelhecimento no Japão e trabalho.
A primeira experiência se deu na fábrica: em uma das linhas
de montagem que trabalhei em determinado dia, precisei fazer o meu trabalho e
ajudar uma senhora que estava na posição seguinte da minha. Por algumas horas
eu precisei executar o meu trabalho e parte do trabalho dela, isso porque ela
não tinha agilidade suficiente e nem boa visão. Os encarregados da linha vieram
conversar comigo, quando viram que ela não daria conta do trabalho, em tom de
brincadeira dizendo que ela era uma “obaachan”, avó em japonês e agradeceram
por eu ajudá-la.
A segunda experiência foi pegando um taxi da estação de trem
até minha casa, em uma noite em que os ônibus já haviam parado de rodar. Estou
acostumada a mostrar o meu endereço pelo celular, dando a localização do Google
maps e o código postal. Geralmente os motoristas de táxi possuem uma espécie de
GPS, com um monitor grande no carro. No entanto, o motorista desse dia era um
senhor idoso, pouco familiarizado à tecnologia e com péssima visão. Ele não
tinha o tal GPS e ficou todo perdido quando eu mostrei a localização no meu
celular: não entendia o aplicativo e não conseguia ler as letras pequenas.
Então eu falei o bairro que gostaria de ir e ele tentou contato com a central
de taxi para que informassem o endereço do código postal, mas sem sucesso.
Depois de pararmos algumas vezes durante o percurso, resolvi ativar a rota do Google
e fui ditando o caminho para ele (detalhe que não sou fluente em língua
japonesa). Foi assim que chegamos em casa diante de muitas desculpas do senhor.
Essas duas situações me fizeram pensar sobre o
envelhecimento no Japão e a relação com o trabalho. Aqui no Japão as pessoas
precisam contribuir por muitos anos para obter a aposentadoria[1]
e mesmo assim não recebem um valor para viver com tranquilidade na velhice, ao
contrário da regra que era vigente até a década de 1990, quando os trabalhadores
tinham um vínculo forte com as empresas e um plano de carreira e salários
compatível com uma vida confortável para ele e a família. Vale lembrar que aqui
nunca houve Estado de bem-estar social e tudo o que o governo oferece é pago
pelas pessoas, como por exemplo o sistema de saúde público[2],
que é bem pago por quem usa.
Claro que existem pessoas que receberam bons salários e se
aposentaram com valores razoáveis, mas cada vez mais isso vai ficando para
trás. Além disso, a partir dos 70 anos os subsídios com saúde dados pelo
governo aumentam, mesmo assim, a situação dos idosos no Japão se resumem aos
dois exemplos que dei no começo do texto, “obaachan e odiichan” (avós e avôs)
tendo que trabalhar várias horas do dia, mesmo não conseguindo.
Há pouco tempo lembro-me de ter lido uma reportagem na qual
o governo japonês solicitava às empresas vagas para idosos[3],
mesmo sabendo que essas pessoas não produzem como as jovens. Em um Estado
neoliberal com as características do Japão é assim que o governo se porta, não
garantindo direitos, mas solicitando favores às empresas. Aqui, um país com
escassez de mão de obra, mesmo com aposentadorias pequenas, os idosos conseguem
trabalho para complementar a renda, e no Brasil com a nova reforma da
previdência? Conseguem imaginar nosso futuro distópico?
[1]
O sistema nacional de pensões do Japão funciona através do imposto recolhido no
decorrer da vida laboral de cada pessoa. Pode ser descontado diretamente do
salário ou, ainda, pago um valor fixo para quem desempenha atividade autônomas.
É possível solicitar a aposentadoria a partir de 10 anos de contribuição, mas o
valor é bastante baixo, em torno de 150 dólares. O tempo de contribuição para
receber a aposentadoria integral é de 40 anos, com idade mínima de 65 anos, mas
que já há propostas para que seja de 70 anos.
[2]
Aqui uso a palavra “público” para designar o que é oferecido do Estado para a
população, como um programa coletivo e não necessáriamente gratuito
Esclarecedor o artigo, eu com 52 anos deixei um emprego estável e três filhas criadas no Brasil para trabalhar no Japão . Na fábrica duas coisas me surpreenderam: o ritmo intenso e a quantidade de senhoras nativas com mais de 60 anos nesse mesmo ritmo, fiquei indignada por que tantas idosas trabalhavam assim , inclusive no horário da madrugada ! O neoliberalismo é uma faca de dois gumes, vale a pena?
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