Nos
primeiros dias de janeiro, para marcar meu primeiro mês no Japão, fui
presenteada com a gripe suína, a tão temida Influenza tipo A. Lembro-me do
alarde no Brasil quando as primeiras pessoas com o vírus ficaram doentes e dos
relatos das pessoas “jogadas” nos quartos de isolamento dos hospitais, sem
assistência. Também me lembro da fala do então ministro da saúde, José Serra,
dizendo que a gripe suína só era transmissível do porco para o humano,
portanto, a medida de prevenção se resumia em evitar contato com os porcos.
Acho que foi mais ou menos nesse momento que a maioria das pessoas também
descobriu que ele não era médico.
Os
sintomas começaram repentinamente: um belo dia acordei e fui tomar um chá, logo
em seguida senti dor de estômago e início de dores no corpo. Depois disso,
calafrios que logo se transformaram em febre alta e que mesmo com medicação
pouco abaixava. Dor de cabeça intensa, dor de garganta, tosse com catarro.
Foram dois dias e duas noites com febre, sem trégua. No segundo dia fui ao
médico e tomei um antiviral, no dia seguinte (terceiro dia) a febre baixou, mas
durante a noite percebi sintomas de sinusite e a febre retornou.
Muito
diferente das gripes que pegamos no Brasil, que geralmente começam com espirros
e coriza, essa começou com dores intensas e febre, logo no início eu não sabia
a causa dos sintomas.
Foi
devido à gripe suína que tive a primeira experiência no sistema de saúde
japonês. Como sou nova na fábrica, ainda não estou incluída no Shakai Hoken,
seguro que além de cobrir parte dos gastos de saúde também arrecada recursos
para previdência, no entanto estou cadastrada no Kokumin Hoken, seguro mais
limitado,mas que cobre 70% dos gastos em saúde.
Aqui
no Japão, existem clínicas nos bairros, que tratam das doenças mais cotidianas
e também é porta de entrada para o sistema de maior complexidade, ou seja, se
você estiver com alguma questão de saúde mais grave, será encaminhado para um
hospital através dessas clínicas. Se pensarmos no sistema de saúde coletiva do
Brasil, seria como as Unidades Básicas de Saúde, mas com um ar muito mais
familiar. A clínica que fui parecia uma casa, na recepção mais duas pessoas
esperavam para ser atendidas. Ali mesmo preenchi um questionário com os
sintomas que tinha, histórico de doenças, alergia a medicações, etc. Quando fui
chamada passei por uma sala mais ampla onde estavam duas enfermeiras e segui em
frente até a sala da médica, todos os cômodos eram separados por cortinas, nada
de portas. Na sala da médica nada da imponência do saber médico, uma sala
simples, com uma mesa voltada para a janela. A médica me convidou para me
sentar ao lado dela, observou o questionário que eu havia preenchido, fez mais
algumas perguntas, examinou minha garganta e avisou que seria necessário um
exame para verificar se era influenza. Voltei à sala com as duas enfermeiras e
realizei o exame (um pouco desconfortável, uma vez que um cotonete gigante é
introduzido no fundo do nariz para recolher secreção). Voltei à sala da médica que
me avisou que o exame havia dado positivo para Influenza tipo A, as enfermeiras
entraram com o exame, não o laudo, mas a fita com reagente, e a médica me
explicou o que as linhas que apareciam na fita significavam. Ela ainda foi
bastante atenciosa na escolha da medicação, uma vez que sou intolerante à
dipirona, cafeína e preciso preservar ao máximos os rins.
Aqui
no Japão, mesmo diante de sintomas de influenza a recomendação é de procurar um
médico caso os sintomas sejam fortes, pois se sabe que muitas pessoas tratam a
influenza em casa, com remédios para gripe e que nem todas as pessoas têm as
mesmas reações ao vírus. Pode ser que a influenza se manifeste de forma mais ou
menos intensa.
Diferente
do Brasil, aqui existem dois tipos de farmácias, as drugstores que vendem
diversas mercadorias além das medicações de livre comercialização (que não
precisam de prescrição), e as farmácias que fornecem as medicações prescritas
pelos médicos. Logo, se há uma farmácia que vende algumas medicações sem
prescrição, há que se considerar que as pessoas se automedicam e melhor do que
ignorar esse fato é informá-las sobre como as medicações funcionam.
Claro
que temos uma grande banalização do uso de medicação no dia-a-dia e uma das
justificativas para essa consideração de que as medicações só devem ser usadas
com prescrição médica foi o uso indiscriminado, em doses altas, forma
irregular, etc. Muitos sabemos que o fato dos antibióticos precisarem de
prescrição se deu porque diante de qualquer pigarro, estávamos a procuram de um
antibiótico para tomar, mas muito desse comportamento também ocorreu por
influência da própria medicina. Em uma das Unidades Básicas de Saúde que
trabalhei brevemente a população sempre recorria à benzetacil para qualquer
mal-estar. Esse comportamente havia sido moldado por um médico que prescrevia a
tal benzetacil para todos os seus pacientes que, apesar de dolorida, era uma
medicação de efeito rápido e dose única. Você pode me perguntar qual o problema
disso, já que essa medicação resolveu o problema das pessoas? Bom, o problema é
que a benzetacil é um antibiótico bastante forte e à medida que se prescreve
para casos sem necessidade, vamos tornando as bactérias mais resistentes. Além
disso, é preciso saber que as medicações provocam efeitos colateriais, então,
porque desgastar seu corpo para metabolizar um medicamento forte, se com outras
medidas mais sutis você pode conseguir o mesmo efeito?
Talvez
a respostas esteja no fato de que vivemos em um mundo que não nos dá tempo, nem
mesmo de nos recuperarmos diante de uma doença. Se estou com dor de garganta
hoje, melhor tomar uma benzetacil para amanhã estar melhor, pois o trabalho não
para. Para mim, aqui no Japão, os dias que precisei para me recuperar
significaram dias sem trabalhar e logo, dias sem ganhar, uma vez que o salário
da maioria dos brasileiros é por hora. Além disso, o sistema de saúde é em
parte subsidiado, o que significa que mesmo pagando a menor parte ela ainda é
grande. Na consulta paguei cerca de 25 dólares e no atestado, cerca de 35
dólares (sim, os atestados são cobrados a parte aqui). Na medicação, mais 20
dólares. Ou seja, mesmo com subsídio do governos o total se aproximou dos 100
dólares (cerca de 400 reais).
Sabemos
que sistema de saúde pública do Brasil funciona de forma precária, já que
faltam recursos e há muita corrupção, mas saber que mesmo sem dinheiro algum
você pode se consultar com um médico, fazer seus exames (caso necessário) e
pegar os remédios, deveria ser algo para proteger de forma mais insistente, a garantia dos
nossos direitos. No Brasil o acesso à saúde é um direito a ser garantido pelo
Estado, no Japão a história é outra, é a história de um país distante de ideais de bem-estar-social.
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