Nos
últimos dias temos visto o aumento do pânico diante do coronavirus. Ele já foi
nomeado como um grande mal que ninguém vê, mesmo assim países são convocados na
luta contra esse inimigo em comum. E qual nossa resposta além da tentativa de
controle dos corpos?
Desde
que o coronavirus começou a se espalhar pelo mundo, muito já se divulgou sobre
ele. Sabemos que é um tipo de vírus conhecido, em formato de coroa, que a taxa
de mortalidade se assemelha a da gripe e que atinge mais gravemente pessoas com
problemas crônicos pré-existentes, no entanto, o pavor social gerado diante
desse mal invisível não tem cessado.
Dia
após dia diversas fake news são lançadas sobre o vírus, embora inicialmente
essas falsas notícias mostrassem um conteúdo mais específico sobre pessoas
morrendo nas ruas e metrôs da China, agora o que é espalhado é o pânico social
através da perseguição do Estado.
O
mercado econômico também não ficou para trás, as bolsas de valores do mundo
todo mostram preocupação com a epidemia e alguns países começam a sentir mais
fortemente os efeitos na economia.
No
Japão, país que há algum tempo vem falando de uma iminente recessão, retoma
esse assunto com mais intensidade. Somamos a isso o aumento dos impostos e 8
para 10% e o abalo na indústria subsidiada por materiais chineses.
Nossa
economia contemporânea é baseada nas bolsas de valores, esse sistema de
investimento que ninguém entende direito e que tem desempenho positivo ou
negativo com base na especulação. Dizemos que essa forma de organizar a
economia tem referência no VIRTUAL, ou seja, é um capitalismo que não tem sua
centralidade na produção e comercialização de produtos, mas numa tentativa de
gerar mais dinheiro sem passar pela produção. Explico:
Na
era industrial se você fosse uma pessoa endinheirada que quisesse mais
dinheiro, investiria em uma fábrica, pois comprando matéria-prima para gerar
uma nova mercadoria você criaria um novo produto com valor agregado. Por
exemplo, compraria algodão e teares para fazer tecidos. Com o passar do tempo
as fábricas começaram a não ter mercado para venda, pois entramos em uma crise
de excesso de produção. Como saída, o dinheiro acumulado foi investido em
bolsas de valores, não na indústria.
A
intenção do capitalista ao investir seu dinheiro é ter mais dinheiro. Quando se
investe em produção fabril, se emprega um valor inicial para confeccionar um
produto que será vendido mais caro, assim se obtém o lucro. Mas o que acontece
quando se investe na bolsa de valores? Se espera ter mais dinheiro sem fabricar
nada. É apenas o dinheiro que rende mais dinheiro. Chamamos essa relação de
virtual, pois não tem correspondente concreto.
Muito
bem, chegamos até esse ponto para falar do coronavirus. Da mesma forma que
nossa economia é baseada na virtualidade, o coronavirus também é virtual (o que
não significa que não exista). Parece com o “grande mal” dos filmes de terror
da década de 1980, algo que não se vê mas percorre cidades provocando mortes e
pavor (por mais que se comprove que não haja motivos para pânico), uma vez o
pânico instalado nada é suficiente para acalmar a população e a economia.
Diga-se de passagem, as ações tomadas pelos diversos países o foram por receio
econômico.
No
Japão, antes mesmo do coronavirus já se especulava sobre uma forte recessão por
vir. Desde a fragilidade econômica vivida a partir de 2008, as notícias de uma
nova queda econômica são diárias. No final do ano de 2018 o governo elevou os
impostos como forma de subsidiar suas ações voltadas para a população, como exemplo
disso hoje as creches do país são gratuitas, diga-se de passagem uma proposta
de fortalecimento do Estado em um mundo neoliberal por excelência. Na contramão
da tendência mundial vemos o Japão cada vez mais assumindo programas sociais.
Mas
na economia global virtual, nos chama a atenção que uma crise de sustentação do
capitalismo aconteça justamente por uma ameaça igualmente virtual. Se a
economia tem seus altos e baixos por especulação, o mesmo tem acontecido com o
coronavirus.
Nos
últimos dias tenho ouvido comentários entre os brasileiros no Japão de que será
o fim da humanidade, a concretização de profecias bíblicas que acabarão com a
raça humana. As fake news espalhadas entre a comunidade passam inclusive por um
suposto pedido do primeiro ministro japonês para que a população estoque comida,
depois de todos terem em suas casas um grande estoque de papel higiênico.
Diante
desse pavor generalizado que se tem feito para acalmar a população?
Incrivelmente retrocedemos no nosso modelo de sociedade e voltamos à sociedade
disciplinar de Michel Foucault. Em sua obra esse tipo de sociedade tenta
exercer o controle concreto sobre os indivíduos. Ele está encarnado no Estado,
na escola, na fábrica, no exército, no manicômio etc. Falamos então que é um
controle sobre os corpos, exercido pelas instituições, que usam inclusive do
confinamento para isso.
A
sociedade disciplinar foi superada pela sociedade de controle, não necessitando
da reclusão exercida pelas instituições para controlar os sujeitos, o controle
permanece existindo, mas funciona de outra forma, no entanto, em tempos de coronavirus
a sociedade de controle parece não ser suficiente.
Essa
semana tive notícias de uma fábrica em que o refeitório foi reorganizado, agora nas mesas
não se pode sentar de frente um para o outro (parece que o vírus não circula na
perpendicular, somente em linha reta!), também houve a tentativa de restringir
a circulação de alguns trabalhadores e um comunicado foi emitido por uma agência de recursos humanos proibindo a
saída da província[1],
mesmo o direito de ir e vir sendo garantido pela Constituição democrática do
Japão e de ainda não estarmos em estado de emergência.
Diante
da ameaça virtual as ações que nos atingem diariamente falam de uma resposta dada por uma sociedade disciplinar, que contém os corpos através de uma vigilância intensa.
O controle concreto das pessoas será suficiente para barrar a ameaça virtual?
Sabemos que não.
[1]
Não se trata de uma proibição do Estado, mas de instituições privadas sem poder legal para isso.
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